UMA PINCELADA SOBRE A ARTE E SUA
MORTE NA ERA CONTEMPORÂNEO, por Mauricio Belarmino
dos Santos (UNEAL)
Por sua obra que agitou o século
XIX ao declarar que Deus estava morto,
Nietzsche se tornou o filósofos mais incompreendido e mal interpretado
da história. Parafraseado o filósofo, podemos afirmar que die Kunst ist tot. Sim, a arte está
morta. E não obstante podemos detectar esse feito ao vermos o processo de
massificação que a arte obteve e vem obtendo ao longo desses últimos anos, a depreciação
que ocorre nas artes em geral (música, pintura, teatro, literatura, etc.), e é
a chamada cultura de massa a grande contribuinte para esse declínio.
A valoração de uma obra artística
se dar pelo equilíbrio, a subjetividade, a estética em sim, que em harmonia
enaltece e deslumbra quem contempla uma obra de arte. Passando desde a arte
antiga até os dias que se seguem vemos o reflexo de cada momento cultural de
uma nação, de um determinado povo em uma determinada época. Assim como as
escolas literária no Brasil que surgem ditando regras a serem seguidas, as
chamadas tendências que eram seguidas a risca para quem quisesse fazer bonito
na hora de compor uma obra artística. Mas quem é que pode dizer o que é ou não
é arte?
Mesmo sendo um conjunto de
estética, a arte tem seu valor além da emoção, do sentimento, das leituras nas
entrelinhas, sua função é puramente também a de chocar, de perturbar, de tirar
o “leitor“ de sua zona de conforto e lançá-lo diante de fatos sociais que façam
com que o ser humano possa refletir e se perceber como cidadão. Sendo assim a
arte que também pode ser sinônimo de beleza, encontra seu valor na feiura, no
grotesco do quando contemplamos o caos que se instaura nessa sociedade
corruptível e que o artista faz questão de transpor isso para suas obras, como
podemos perceber nas palavras de Leminski:
As pessoas sem imaginação estão
sempre querendo que a arte sirva para alguma coisa. Prestar o serviço militar.
Dar lucro. Não enxergam que a arte (a poesia é arte) é a única coisa, chance
que o homem tem de vivenciar a experiência de um mundo da liberdade, além da
necessidade. As utopias, afinal de contas, são sobretudo, obras de arte e obras
de arte são rebeldias.
A rebeldia é um bem absoluto. Sua
manifestação na linguagem, nós, homens, chamamos poesia, inestimável
inutensílio.
(Paulo Leminski)
Qualquer ser humano que faz arte
é denominado de artista, e este faz sua obras baseando-se em suas emoções, seus
sentimentos que logo são registrados na música (som), dança (movimento),
pintura (cor), escultura (volume),
teatro (representação), literatura (palavra), cinema (fotografia+
animação). Com os adventos das novas tecnologias surgem mais formas de o
artista expressar seus sentimentos, dessa feita através da chamada artes
digitais.
Repensando o valor da arte,
sobretudo a arte literária, percebemos um momento de depreciação que ocorre com
a literatura no Brasil e no mundo. Escrever tem se tornado um ato banal e que
serve apenas para o enriquecimento das editoras. Esse processo começa a ter sua
força no industrialismo, como por exemplo com os livros infantis, as histórias
são recriadas, são “melhoradas“ para
atenderem a demanda do mercado, os livros começam então, a ser produto de
consumo dos senhores que tinham o domínio da leitura.
Este fato não se distancia da
nossa realidade hoje, os livros de auto-ajuda invadiram as prateleiras e
brilham nas estantes das casas das pessoas, imploram para serem lidos,
celebridades apontam como um marco em suas vidas, tal livros ajudaram aos
leitores salvar o casamento, conseguiram casa, dinheiro e status. São leituras superficiais
que não propõe um viagem ao universo da criação, não ultrapassam os limites da língua
e são mera repetições, mas que sempre estão nas listas dos mais vendidos e consequentemente
são denominados de Best Seller.
Ora, a literatura é se não, como
Bathers definiu, é um ato prazerosos e que que propõe um fruição entre o leitor
e o texto, é por assim dizer um contato erótico, um jogo prazeroso em que o
leitor se percebe seduzido a cada leitura, a cada palavra. E esse tipo de
prazer é encontrado unicamente na arte, pois a obra artística é eterna, a obra
de massa é efêmera.
Traduzir-se
Uma parte de mim é todo mundo:
outra parte é ninguém: fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão:
outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera:
outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta:
outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente:
outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem:
outra parte, linguagem.
Traduzir uma parte na outra parte
— que é uma questão de vida ou morte — será arte?
De Na Vertigem do Dia (1975-1980)
No poema acima de Fereirra
Gullar, percebemos o efeito que a arte tem em causar no eu-lírico, deixando-o
confuso e dividido em duas partes, uma num conformismo e outro num misto de
inquietação, de não conformação com o universo ao seu redor. Aqui o eu-lírico
apresenta duas faces, dois lados sendo
um negativo e o outro positivo, mas é nos versos finais que enfatiza o efeito
da arte:
Traduzir uma parte na outra parte
— que é uma questão de vida ou morte — será arte?
De igual modo o cinema, que é a
sétima arte, vem sofrendo com o processo de depreciação, ao tomarmos o cinema
nacional como exemplo, podemos perceber o retrocesso que este vem tomando em
detrimento dos lucros. O Novo Cinema
Novo iniciado por Anselmo Duarte com seu premiado “O pagador de Promessas” e
que tem destaque também os cineastas Glauber Rocha com suas películas Deus e o
diabo na terra do sol e Terra em transe,
e Carlos Diegues com Ganga Zumba.
O ápice do cinema nacional vem com o brilhante Carlota Joaquina, de
Carla Camurate que eleva o cinema depois de este ter passado por uma longa leva
de pornochanchadas.
Hoje os ditos filmes de favela,
como o Tropa de Elite 1 e 2, ganham
destaques nas mídias nacionais, assim como a música de baixa qualidade, os
livros de auto-ajuda, as películas comercias são extremamente divulgadas e
vendidas como produto de extrema qualidade, porém sem nenhum resquício de arte.
A mídia tem sua grande
contribuição no desfacelamento das obras artísticas, pois os ditos programas de
auditórios, os telejornais, não se preocupam em divulgar ou propagar o valor
artístico, limitam-se apenas a distribuir em nome das competições pela
audiência aquilo que a massa está acostumada a ver: pornografia explícita,
baixaria, e uma dose de humor de baixo nível, onde homossexuais, mulheres e
portadores de necessidades especiais são as vítimas das constantes piadas. O
público leigo toma aquilo como obra preciosa, pois este nunca fora ensinado o
que é arte.
A agitação que deveria vir por
meio das manifestações artísticas não vem, não são divulgado, como era feito
nas escolas literárias, como ocorreu na semana de 22, ali os jovens se reuniram
o promoveram a Semana de Arte Moderna, sem duvidas uma das maiores
manifestações artísticas do Brasil, pois foram estes artistas que trouxeram
dores de cabeças aos senhores parnasianos intocáveis. As vanguardas europeias
pintam como tendência com seus ismos (expressionismo, dadaísmo, futurismo,
cubismo, surrealismo). Ora assim, como em tudo, houve a resistência por parte
dos conservadores que se viam diante do inexplicável que os artistas modernos
propunham.
Talvez estejamos vivenciado o
mesmo processo hoje, como a arte que está em constante mutação e que acompanha
as mudanças sociais, percebemos uma inquietação em aceitar novas tendências,
sobretudo nas pinturas e na dança com o graffit e o street dance, algumas
manifestações de arte que surgem nas ruas são elevadas a status de arte, outras
não. Contudo quem pode definir o que é arte? Quem alega que uma obra tem valor
artístico ou não? Se pararmos para pensar, a arte sempre esteve nas mãos das
elites, era algo exclusivo dessa classe (e de certa foram ainda é).
A falta de investimento do
governo em programas que incentivem a obra artística, como no caso do teatro,
este que surgiu nas ruas e ganhou grande representação, vive hoje um processo
de decadência uma vez que não há incentivo nem divulgação de grandes peças. Em
Alagoas o caso chega a ser mais grave
com a fomentação de peças que visam unicamente o lucro e não propõe nenhum tipo
de reflexão sobre a arte nem sobre a sociedade.
Mais uma vez voltamos ao lucro, o
capitalismo que faz com que o homem corra atrás apenas do lucro, do bem estar,
do conforto, do acumular de riquezas, Sem dúvidas isso teve início com o
processo de industrialização, transformando o homem em máquina de trabalho, em
gado, sem tempo para pensar ou refletir sobre sua vida e sem tempo para as manifestações
sociais. Tudo isso começa a ir para o
lixo, como diz Rita Lee tudo “vira bosta“.
Hoje somos obrigados a ouvir
involuntariamente os calipsos da vida, os créus, e os tchans, num processo de
banalização onde o corpo entre em choque com a cultura, a sexualidade feminina
que as transforma em mulheres frutas e cachorronas. Não há mais as musas
inspiradoras, existe apenas a massificação. Essa é a cultura que vende, “a
prostituição artística“, como o disse muito bem Gabriel Pensador:
A-aha! Vai sair na revista e o
povo vai dizer que você é artista Porque agora bunda é arte, é cultura, é
esporte É até filosofia, quase uma religião
Sendo assim, percebemos que a
arte está de fato adormecida, está morta, esperando o momento certo para o seu
ressurgimento, assim como no Renascimento, é preciso que haja uma
conscientização. O professores precisam aprender o que é arte, para fomentar essa
sede em seus discípulos (se bem que na maioria dos casos os proprios
professores não tem noção do que é arte, e acabam propagando um ensino errôneo
levando-os apenas a pintar como se isso fosse arte), é necessário que os que detém
o conhecimento do poder que há na arte não se conforme e libere a grande
expressão que há dentro de si.